Algures no tempo a mulher cantava
talvez cantasse não mais que o paraíso,
a voz erguendo-se como um enigma
era uma voz que desconhecia a palavra,
ininteligível sonho de luz,
despertando a terra para a linguagem plena.
Era o canto sem tempo sem lugar
não mais que canto
entreabrindo-se como negra rosa
imponderável, convocando a chuva
irradiando a plenitude da música
dela saía o vento e a inocência
e tudo se deixava ferir pela sua candura,
uma outra espécie de morte na água.
Quando se toca
o som dessa canção queima
como ardem a inocência e o tempo puro,
adentra os sonhos e faz perdurar o domínio
desses obscuros animais que nos devoram o coração,
para logo o fazer renascer, muito além da terra,
uma febre de silêncio que nos afunda.
Olha: eu gostava de abrir esse lírio
anunciado na densidade do canto, muito para além
do azul cobalto que imaginamos para os céus de Tiepolo
e da luz das asas dos anjos,
esse canto, muito para além do muro da morte,
febre queimante, desdenhando o incêndio da vida.
Ela, mulher, cantando, alheia a toda a linguagem,
o corpo abrindo-se no enigma.
Eis que as vi, iluminadas no vento, Eram múltiplas, repetidas, silentes Durante muitos meses, E eis que esse canto puro, As crianças que cantam, _____________________________ Anjos amortalhados nas vértebras da noite Anjos amortalhados no véu das asas Anjos amortalhados no redobrar do vazio Ouve. Toca a finados, o tempo todo
dançando em redor do fogo
essas crianças devastadas
com lágrimas que se confundiam com o riso.
Eram por todo o lado,
tremendo na fragilidade da noite,
duendes em desatino,
tão mudas e cintilantes,
caminhando na direcção do silêncio
e arrastando-se na terra como se dela
fossem a sua luz,
chafurdando no sangue das rosas.
sabiam-se imagens despidas,
à procura da voz de Deus,
atravessando a água dos sonhos,
escavando no rastro da lua
sonhando-se como animais de densos cascos
à espera da aurora, ali,
onde apenas era o fogo sem voz,
silêncio iracundo de Deus.
ainda antes de Abril, antes de tudo,
ficaram esses olhos cegos,
diante de tanta escuridão
e despiram-se, iniciando o canto
lento, lento, em redor do fogo.
ainda antes de Abril,
me fustigava a alma de dor.
É necessário caminhar por dentro da chuva negra.
É necessário talvez adormecer
como a mulher que se faz seiva
encerrada na árvore, os cabelos esvoaçantes
os olhos velados em acesa morte,
essa morte no meio da luz,
todo o tempo puro, já em meio de uma vida,
no país de um delírio incontido.
redescobrindo o poder do fogo
e inventando a alegria.
Eu sei. A minha alegria nasce da penumbra,
quando desejo abrir os dedos
e faço nascer as coisas
escrevendo-as no reverso da página.
Espero que elas despertem
que me acendam de novo o coração.
abrigados no enigmático sorriso
com que me afrontam. Esse um exercício
de exactidão numérica, rasando
o fogo na navalha da escuridão.
de olhos vazios, aves escuras desorbitadas,
pendurados como casacos amarrotados
nas luminosas entranhas de um animal.
onde o tempo se enrola sobre si próprio
e se fecha numa pedra ou estrela coagulada.
é por ti ainda, este requiem
sem que o reconheças, no inumerável
reflexo dos espelhos. Anjos espreitam-te.
E é onde não estou que se ergue, intangível
o canto puro, a voz que te enlaça
e te arrasta nas coxas da luxúria.
:: a. ramos rosa(1)
:: abilio terra junior(5)
:: abreu paxe(3)
:: agostinho neto(3)
:: aires almeida santos(2)
:: alda lara(4)
:: alexandre dáskalos(1)
:: alexandre garcia(15)
:: alexandre o'neill(6)
:: almada negreiros(21)
:: almeida garrett(4)
:: álvares azevedo(2)
:: ana c.(5)
:: ana paula tavares(4)
:: antero de abreu(2)
:: anthony félix(1)
:: antónio carlos jobim(1)
:: antónio gedeão(5)
:: antónio jacinto(3)
:: arlindo barbeitos(11)
:: ary dos santos(3)
:: bocage(1)
:: boris vian(1)
:: carlos drummond de andrade(4)
:: castro alves(1)
:: cecília meireles(4)
:: célia meireles(1)
:: cesário verde(21)
:: charles bukowski(1)
:: conceição cristóvão(5)
:: david mestre(3)
:: diana vaz(18)
:: eloisa pereira(1)
:: ernesto lara filho(1)
:: eugénio de andrade(24)
:: federico garcía lorca(1)
:: félix grande(1)
:: fernando assis pacheco(1)
:: fernando guimarães(1)
:: fernando pessoa(186)
:: florbela espanca(18)
:: geraldo altoé(1)
:: guerra junqueiro(1)
:: helena faria monteiro(6)
:: henrique lisboa(1)
:: herberto helder(2)
:: hermes fontes(10)
:: inês reis(1)
:: irondino teixeira aguiar(1)
:: jaime sabines(1)
:: jessé barbosa de oliveira(1)
:: joão de melo(2)
:: joão maimona(1)
:: joão rasteiro(20)
:: joão tala(5)
:: jorge arrimar(2)
:: jorge casimiro(3)
:: jorge castro(1)
:: jorge de sena(5)
:: josé gomes ferreira(1)
:: josé luis mendonça(4)
:: josé luís peixoto(1)
:: josé saramago(14)
:: júlia lello(1)
:: letra de carlos tê (rui veloso)(1)
:: liliana correia(1)
:: lopito feijó(3)
:: luís de camões(56)
:: luiz pacheco(1)
:: lurdes mendes da costa(1)
:: malume medeiros(1)
:: manuel alegre(1)
:: manuel bandeira(16)
:: manuel c. amor(30)
:: manuel rui monteiro(3)
:: maria(1)
:: maria joão cantinho(1)
:: mário antónio(4)
:: mário henrique leiria(1)
:: marta david(1)
:: miguel torga(31)
:: minês castanheira(1)
:: murilo mendes(5)
:: nuno júdice(11)
:: nuno travanca(4)
:: oscar silbiger(1)
:: oswald de andrade(1)
:: pablo neruda(1)
:: papiniano carlos(1)
:: paulo ramos(1)
:: pedro laranjeira(1)
:: pedro mota(1)
:: piriska grecco(1)
:: rui duarte carvalho(6)
:: sá-carneiro(16)
:: sérgio godinho(8)
:: sérgio xarepe(4)
:: silvia munhoz(12)
:: vinicius de moraes(10)
:: viriato da cruz(6)
:: Sites sobre a língua poruguesa
:: CPLP
:: Alfarrabio
:: Tripod
:: As Tormentas
:: Sites sobre autores
:: Campo-Letras
:: Kaminhos
:: Citi
:: Fundação Eugénio de Andrade
:: Nescrita
:: Triplov
:: Truca
:: Luso Poemas
:: Sites de domínio enciclopédico
:: Biblioteca Nacional Digital
:: Wikipédia
:: IPLB
:: Universal